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Carolina Oliveira, mentora em equidade racial, durante imersão antirracista no Colégio Micael


Carolina Oliveira é mentora em equidade racial, consultora em educação das relações étnico-raciais e historiadora. Mineira e mãe da Tainá e do Pedro, a especialista também atua como professora universitária e dá aulas numa escola Waldorf de Nova Lima (MG).
Recentemente Carolina conduziu uma imersão antirracista no Colégio Micael, um mergulho de quatro dias que envolveu toda a comunidade escolar numa reflexão profunda e necessária, um ponto de partida inspirador para uma série de ações que a escola pretende colocar em prática. Confira a seguir a entrevista que ela concedeu ao Blog do Micael durante os dias que passou conosco na escola.

Por Katia Geiling

Há quanto tempo você realiza esse trabalho de educação antirracista nas escolas?
Eu trabalho com educação antirracista em escolas desde 2007. No início, era uma atuação muito vinculada a um programa de ações afirmativas da UFMG, que tinha como foco a permanência de jovens negros na universidade. Também integrei um projeto da TV Futura, a Cor da Cultura, que era uma agência multiplicadora sobre o tema para as redes municipal e estadual de ensino. Nos últimos anos, comecei a desenvolver projetos para escolas particulares, pensando que são abordagens diferentes, necessidades diferentes. Iniciei buscando de forma bem ativa e hoje sou procurada pelas escolas.

Qual é o caminho para que uma escola possa se declarar verdadeiramente antirracista? Quais as dificuldades que podem surgir no percurso?
Uma instituição é antirracista não quando não acontecem casos de racismo em seu espaço. Eles vão acontecer. Uma escola é antirracista quando ela tem segurança de que, quando esses casos acontecerem, ela vai parar e olhar para eles. Antes de acontecer, ela vai ter prevenido através de modificações no currículo, de formação para professores, alunos e famílias. Também é preciso ter documentos que ajudem a comunicar sua posição antirracista. Aconteceu um episódio? A escola cuida desse episódio, com tranquilidade. Depois desse cuidar, tem o momento pós-evento. O episódio vai trazer novos elementos para lidarmos com a situação. Muitas vezes, no entanto, não é o desejo de toda a comunidade escolar se debruçar sobre o tema. Às vezes surgem justificativas infundadas de que não deveríamos tratar desse tema na escola Waldorf, porque a pedagogia, por si só, já resolveria essas temáticas. Não existe pedagogia nenhuma no mundo que resolva qualquer temática sem falar sobre ela! A ideia é olhar para o fenômeno e lançar mão de ferramentas que a gente já tem na própria pedagogia: vivenciar, conversar e depois formar o conceito. Mesmo quando estou com adultos, costumo fazer esse caminho, muitas vezes a partir de uma história de vida. Isso tudo eu aprendi com a pedagogia Waldorf. São elementos muito eficazes, pois trata-se de uma construção mesmo dialógica.

Quando você fala que a escola deve acolher com tranquilidade quando ocorre um episódio de racismo, como seria isso na prática?
Às vezes o afobamento faz com que a gente abafe um episódio. A escola fica com receio de levar para a família do agressor, fica na dúvida. Isso é comum. Se quando uma criança bate na outra, a gente comunica, então eu tenho que comunicar quando ela ofende a outra. Não é fazer acareação, porque não somos polícia. Criar um protocolo ajuda muito, não tenho que reinventar a roda toda vez. Olho para o que já foi feito e sei como abordo, como registro. Com isso a escola consegue até fazer um levantamento numérico: nesse semestre aconteceram tantos casos. Pode ser que no início os casos explodam, mas a tendência é que eles caiam, porque as coisas vão se estabilizar e as pessoas vão começar a se preocupar mais.

Como uma família pode atuar em casa se receber a notícia que seu filho foi o agressor num episódio de racismo?
Quem recebe a informação que o filho ou a filha ofendeu alguém não precisa pensar que vai ser julgado, que vão pensar que educou mal, nada disso. Muita coisa vem de casa, mas nem tudo.  A gente não precisa ficar na defensiva, não precisa jurar “lá em casa a gente não fala isso”. A questão é fazer com que essa criança cresça sem ser racista. Talvez a família tenha que entrar num processo de  consciência interna, olhar para a família expandida. Talvez eu tenha sido omisso quando estava num grupo de amigos e alguém fez uma piada ou comentário racista. Meu filho ouviu, eu não falei nada e ele repetiu depois na escola. Então fazer isso também é uma auto-educação. É olhar para a criança, atuar, e olhar pra gente também. Se eu me descobrir racista, reprodutor de algo, de algum preconceito, não é o fim da linha. Vai ser o fim da linha se a gente ficar na defensiva demais e não quiser falar sobre isso. Eu preciso ampliar repertório, frequentar espaços com diversidade. A gente aprende por imitação. Tem vários lugares em São Paulo onde há uma cultura negra pulsante. Olhar para as bonecas da criança, trazer contos, apresentar uma literatura negro-afetiva. Podemos estender esse olhar para outros povos, como os indígenas..

Como podem ser os próximos passos para uma escola como a nossa que acabou de passar por uma imersão antirracista?
Na minha experiência, a frequência das ações, que não precisam ser todas do tamanho de uma imersão, ajuda a instituição a analisar a temática. Estamos chegando em novembro (mês da Consciência Negra). Posso usar esse momento para comunicar a temática interna e externamente de alguma forma. Posso até não fazer uma atuação direta com alunos, mas que tal combinar de durante o mês novembro olhar para as imagens que estão permeando a escola? É sobre realizar tarefas, criar um plano de ação que vai ser ajustado constantemente. De forma coletiva, não como iniciativa de alguns indivíduos. Tem que institucionalizar, estimular que toda a comunidade faça grupos de estudo, que consolide uma comissão. Quando a gente consegue consolidar como comissão, dá um outro patamar, né? Quase como na gestão pública. Quando é secretaria, é diferente de quando é ministério. Também é importante trazer pílulas nos informativos da escola para não deixar o assunto morrer, relembrando códigos de conduta, lembrando o tempo todo que essa escola é antirracista, divulgar agenda de eventos na cidade. E aí as pessoas vão descobrindo, porque muita gente não sabe nem onde buscar conteúdo sobre o tema. O Conselho de Famílias pode ajudar nisso, para não ficar algo só para a gestão da escola. A comunidade se compromete junta a buscar esse repertório. Não fica uma comunidade passiva esperando imersões todos os anos.