Quantas voltas o mundo dá
E nós nele
A se perder e se encontrar
A sala cheirando a madeira
As cortinas suaves enquadrando as janelas para o mundo
O quadro negro preenchido de cores e sentidos
O som das flautas, cada uma a seu modo, te seguindo
Na tentativa de fazer juntas uma melodia
O papel molhado recebendo as tintas do pincel
A História revelada em contação de histórias,
Encontro comigo em outras eras e lugares
O boletim preenchido à mão com sua letra
Revelando o quanto esteve, o ano todo, a mim atenta
Um verso recebido no início de cada ciclo
Sinal de que, mesmo nas férias, o vínculo afetivo não era rompido
Você não me ensinou a juntar letras no papel, o B-A-BA
Mas a contemplar o céu e ler as manhãs
A me encantar
As aulas não eram só carteira e cadeira
Mas vinham também em forma de brincadeira
Circo, teatro, dança…
O elo alimentado com toda a Natureza
Observar as flores, o caminho do sol e das estrelas
Plantar o trigo, fazer o forno e o pão
Construir nossa própria casinha
Fazendo de nossa vida uma moradia
E habitá-la com entusiasmo
Respirar com a vida
Alternando trabalho e festa
Cuidar do espaço partilhado, se dedicar a enfeitá-lo
Caminhar juntos, com as lanternas acesas na mão
Sentar e cantar juntos ao redor da fogueira de São João
Alimentar a experiência do convívio em comunhão
As viagens que ampliavam as fronteiras
Do mundo
E da alma
Montanhas e mangues
Hortênsias, vaga-lumes
Peixes e araucárias
Pedras, terra e águas
Estalactites
Tesouros formados pacientemente
Nas nossas próprias profundezas
Assim, a disciplina cedia lugar à dedicação
O fazer por haver uma sentida razão
Você era professora, não uma funcionária
Da mesma forma, eu não era uma estudante a-lunada
Éramos pessoas antigas partilhando o tempo presente
Companheiras de jornada
Em corpo, espírito e imaginação
Fazendo de cada encontro nossa oração
Insistindo em acender a luz do coração
Hoje tento imaginar como era possível
Que você fizesse tanto
E tudo, todo dia, com carinho?
Cada dia da vida era um templo
E nele entrava com devoção
Cada dia era um portal que se abria
Graças à sua dedicada alegria
Nos ensinando a escutar
As “preciosas ressonâncias de algum silêncio escutado há anos”
E a nunca barulhar para calar este silêncio
Mulher, como foi capaz de tamanha empreitada?
Por tantos anos, em cada instante mergulhada?
Quando penso em você
Vejo janela para o céu infinito
E pressinto a infinidade de seres viventes na terra
Eu, você, todos nós dentro e parte de tudo isto
Numa trama por todos nós tecida, delicada
Te vejo pingo de tinta vibrante que na aquarela se espalha
Te ouço estalo de madeira aquecida pelo fogo
Mãos e pés batendo juntos, ritmados
Te sinto cheiro de pão quente repartido em irmandade
Poema que nos fala de segredos
Que em dança de mãos dadas são revelados
Verão, outono, inverno e primavera
Vida infinda
Vida divina
Vida dividida
E multiplicada
Você segue agora para esta nova fase de sua jornada
Eu sigo dançando consigo este bailado
Que agora se expande para o outro lado
Desconstruímos, então, esta última fronteira
E a vida, mais uma vez, se revela inteira
De mãos dadas com a morte
Sua irmã verdadeira
Uma semente brota em meu peito aquecido
E do amor sinto o perfume de uma nova flor
Recém-nascida no infinito
Amanda Schoenmaker 22/02/2020
Dona Ana Cândida foi professora de classe da turma de Amanda entre 1989 e 1996. Ela fez parte do corpo docente do Colégio Micael durante quase 40 anos e partiu para o mundo espiritual em fevereiro de 2020.