Por José Carlos Machado, médico escolar
Educar um filho não é tarefa fácil. Mas todos nós recebemos um dia essa incumbência e a exercemos, quando éramos principiantes, da maneira que podíamos, geralmente com força de vontade e, certamente, com boa intenção — que descobrimos depois não serem suficientes. Mesmo assim insistimos, brigamos, erramos e, finalmente, descobrimos que o que nos movimentava era revestido de amor, e isso conforta.
A criança recebe o amor de seus pais, que lhe é dado de graça. Nós também temos essa recíproca. Porém, na maioria das vezes, esquecemos de que o fato de amarmos muito nossos filhos não nos impede de também exigir deles respeito e reverência. Isso também faz parte da atitude de amar.
Parece que nos esquecemos de ler nas letras miúdas do contrato que fizemos com o mundo espiritual que cuidaríamos, protegeríamos e amaríamos os nossos filhos, mas, sobretudo, os conduziríamos com segurança, respeito e confiança. Pois bem: as crianças têm essa expectativa em relação aos adultos que as conduzem, principalmente em relação a seus pais, que sabem o que é bom para elas e não precisam barganhar com seus filhos esse amor que já lhes pertence.
Portanto, os pais podem e devem colocar limites e ensinar para as crianças que a realidade não existe para nos satisfazer, que não se pode ter tudo o que se quer na hora que desejamos, que nem tudo sai conforme o planejado, mas que, apesar disso tudo, estamos ao seu lado. Isso também é amor e deve ser ensinado.
Costumo dizer que ser pai é também saber se tornar desnecessário, para desconforto de muitos que questionam essa afirmação, pois garantem que sua presença é importantíssima para a vida de seus filhos. Eu respondo que sim, existe e sempre existirá a importância dessa relação, mas ajudar na autonomia e no desenvolvimento é uma qualidade da qual não deveríamos abrir mão.
Precisamos trazer à nossa própria consciência que nosso papel como condutores é justamente mostrar a direção a seguir, incentivar, torcer e nos afastar à medida em que os filhos vão crescendo. Trabalhar internamente essas dificuldades é um ato de amor.
Na contramão disso fica o egoísmo de retermos nossos filhos para nós. O grande boicote que fazemos a eles é promover a acomodação de receberem tudo de “mão beijada”, sem esforço e sem sacrifício. Mesmo amando muito, pode-se confundir e inverter esses valores. Dessa forma, as crianças e os jovens não aprendem o que é reconhecimento, não têm a experiência de que aquilo de que dispõem (a roupa da moda, o tênis bonito, a comida, o celular) foi oferecido pelos seu pais, que, muitas vezes, não exigem nada em troca – nem um gesto de carinho.
Desse modo, é lógico que os pais serão necessários ad infinitum, porque atrás dessa abundância de excessos existe também a incoerência de oferecer ao filho tudo aquilo que julgamos que seja bom para ele, talvez sem refletir antes se existe de fato tal necessidade. As coisas oferecidas às crianças deveriam passar por esse crivo. O que adianta comprar o vigésimo carrinho ou a décima boneca se a criança nem brinca com todos aqueles brinquedos que já tem? Isso gera desperdício, o que se atrela a duas outras situações: a falta de reverência e a ingratidão.
Esse excesso, mesmo revestido de carinho, fica desproporcional, inadequado, demasiado. O amor também tem seus tempos e suas medidas. A criança entende isso. Os adultos, nem sempre. Eles desconfiam quando dizemos que um gesto de amor também pode estar contido na palavra “não”. Receiam perder o amor de seus filhos, e isso é um grande engano. Devemos estimular a criança a superar suas dificuldades, e não fazer isso por elas. O amor é também confiança. Precisamos confiar que sabemos o que é melhor para nossos filhos.
E isso tudo fica na memória de nossos filhos. A criança, e depois o jovem, vai se lembrar que seus pais a ensinaram a respeitar e a confiar. Essa atitude dos pais é estruturante no equilíbrio psíquico da criança, pois norteia e dá uma direção segura.
Precisamos de coragem para isso. Coragem não é a ausência do medo, pois educar um filho não é tarefa fácil. Coragem é lançar-se a despeito do medo. Desejo a todos, portanto, coragem com amor.
“Aquilo que está escrito no coração não necessita de agendas porque a gente não esquece. O que a memória ama fica eterno”
Rubem Alves
José Carlos Machado, pai de quatro filhos, foi médico escolar do Colégio Micael durante oito anos.
No dia 05/05, às 9h, ele dará uma palestra em nossa escola sobre a importância do limite na educação. O encontro, aberto também para pessoas de fora da escola, é voltado para pais do maternal ao 9º ano. Participe. Não é necessário fazer inscrição.