Há uma mudança de paradigma na discussão pedagógica
Publicado em: 25/01/2018
Reprodução do filme Learn to Change The World
Em 2019, a pedagogia Waldorf completará um século de existência. Cem anos depois de sua concepção, as propostas do filósofo austríaco Rudolf Steiner, colocadas em prática pela primeira vez numa escola voltada para filhos de operários da fábrica de cigarros Waldorf Astoria, em Stuttgart, na Alemanha, parecem mais atuais e universais que nunca. Isso fica claro no filme Learn to Change the World, produzido pelo movimento Waldorf100, criado para celebrar o centenário da pedagogia. Traduzido para o inglês, alemão, espanhol, português e chinês (e com outras versões a caminho), o curta já foi assistido por cerca de 200 mil pessoas. Mas o Waldorf100 não se limita ao filme e seus desdobramentos: esse movimento tem como missão fortalecer a grande rede formada pelos quase 3.000 jardins e escolas Waldorf espalhados em mais de 80 países e chamar a atenção do mundo para o potencial transformador da pedagogia antroposófica.
Com o objetivo de apresentar as propostas dessa iniciativa, entrevistamos, por e-mail, o professor Henning Kullak-Ublick, coordenador do Waldorf100, cujo escritório fica em Hamburgo, na Alemanha. Nascido na Argentina, Kullak-Ublick sempre teve forte atuação no movimento Waldorf internacional.
|Por Katia Geiling
|Tradução de Fernanda Silvestro
Qual tem sido a repercussão do movimento Waldorf100, especialmente em relação ao filme Learn to Change the World, dentro e fora das iniciativas Waldorf?
Henning Kullak-Ublick: Uma das principais intenções do filme era oferecer uma boa visão da internacionalidade e da vitalidade de nossa abordagem pedagógica às muitas pessoas que trabalham no movimento Waldorf ao redor do mundo. Outro objetivo era alcançar o público além das escolas Waldorf. O filme retrata um propósito comum a muitas pessoas e toca no maior desafio de nossos tempos. Tudo isso de uma forma que dá esperança e perspectiva às gerações mais jovens.
A repercussão na prática agora depende da iniciativa das escolas, jardins e associações. Como vão trabalhar em atividades de estruturação comunitária – grandes e pequenas, complexas e simples, instrutivas e divertidas, tão diversas quanto o mundo em que vivemos? Já é possível encontrar muitos projetos interessantes em nosso mapa mundial do Waldorf100 e esperamos que haja muitos mais durante os próximos dois anos, até nosso centenário.
O Waldorf100 é ligado a alguma escola ou instituição?
Henning Kullak-Ublick: A iniciativa Waldorf100 surgiu no outono de 2014, numa conferência do International Forum for Steiner/Waldorf Education (IF), que à época foi sediado em Israel. Nesse meio tempo, muitas instituições parceiras e associadas endossaram a ideia. Os membros do Fórum, vindos de 35 países, se reúnem duas vezes por ano. O Waldorf100 é baseado numa associação formada por membros do Fórum, associações Waldorf nacionais e algumas outras associações, como a Friends of Steiner/Waldorf Education, a General Anthroposophical Society, a IASWECE (International Association for Steiner/Waldorf Early Childhood Education), entre outras.
O senhor acredita que o ceticismo de alguns especialistas em educação, relacionado à pedagogia Waldorf, tenha diminuído atualmente? Por quê?
Henning Kullak-Ublick: Desenvolvimento sempre inclui ceticismo, críticas e questionamentos inconvenientes. Então não há nada com o que se preocupar, contanto que se leve as perguntas sérias a sério e se trabalhe para encontrar as respostas certas – substancialmente e verbalmente. Existem, é claro, alguns julgamentos injustos e completamente falsos por aí, usualmente baseados em preconceitos, não em informação real. Mas percebemos fortemente que há uma mudança de paradigma na discussão pedagógica, desencadeada pelo aumento da padronização e da rigidez da educação ao redor do globo. Isso tem levado muitas pessoas a pensar sobre quais são as necessidades reais das crianças e adolescentes em um mundo cada vez mais complexo. Graças a isso, existe um interesse crescente na abordagem da pedagogia Waldorf, que provou ser hábil para criar espaços nos quais os estudantes podem desenvolver, sem medo ou ambições ilusórias, suas habilidades individuais, sociais e criativas. Pesquisas recentes em neurociências tornaram-se alguns de nossos argumentos mais fortes, porque provam empiricamente a eficiência de muitos métodos desenvolvidos por meio da pedagogia Waldorf.
Qual é o maior legado do movimento Waldorf nos últimos 100 anos e qual legado o movimento pode deixar para o próximo século?
Henning Kullak-Ublick: Durante seu primeiro século de existência, a educação Waldorf formou uma rede global que se estende de Berlim a Pequim; do Alasca, no norte mais longínquo, a Auckland, nas remotas Antípodas, e em todas as áreas habitadas entre essas regiões. Cada uma das 1.100 escolas e cada um dos 1.700 jardins de infância foram fundados com o propósito de ajudar as crianças a se manifestar como indivíduos livres e responsáveis. Todas essas escolas começaram por iniciativa de cidadãos locais. As ideias da trimembração do organismo social podem ser difíceis de praticar em qualquer escola, mas elas provam sua eficácia por meio de sua aplicação através dessa rede global. Isso é possível porque a educação Waldorf não estabelece um currículo fixo, mas surge de um entendimento da natureza do ser humano e depende do próprio esforço dos professores em se autoeducar. Nesse sentido, a educação Waldorf é um trabalho em andamento que se manifesta de diferentes formas, muitas ainda não totalmente reconhecidas. E uma vez que a educação Waldorf é um movimento de base que se origina em iniciativas e abordagens individuais, esperamos que a rede cresça continuamente para alcançar cada vez mais crianças no mundo.
(trechos do texto originalmente publicado na revista Micael | 1º semestre de 2017)